quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Como se gastam R$ 2 trilhões a cada 5 anos


Meu texto anterior – “Pagando dívida, enxugando gelo” – rendeu uma interessante reflexão. Nele, em entrevista a Guilherme Barros, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, Luiz Aubert Neto, comenta que nos últimos 16 anos, o Brasil pagou mais de R$ 2 trilhões em juros de dívida. “É a maior transferência de renda da história do capitalismo”. Ouvi de um economista – e podemos ter outras interpretações de especialistas no tema – que, ainda assim, o cálculo de Aubert é apenas parcial.
Siga os argumentos de minha fonte:
1- A dívida pública federal (interna e externa) é de aproximadamente R$ 1,9 trilhão (agosto de 2011). Note que aqui não se contabilizam dívidas de Estados, Municípios, ou Empresas Estatais. Tampouco a dívida privada dos lares brasileiros ou as dívidas de empresas privadas.
2- Vamos apenas supor que a dívida dos lares brasileiros e da empresas correspondam a 50% de suas receitas anuais (na realidade é mas do que isso. Iso equivaleria a 50% do PIB (Produto Interno Bruto), o que representa cerca de R$ 1,5 trilhão. Vamos supor também que os estados e municípios brasileiros possuam endividamento equivalente a apenas 50% do total da dívida públca federal (ou seja, R$ 950 bilhões).
3- Assim, teríamos uma quadro total de endividamento da seguinte ordem:
Dívida Pública Federal: R$ 1, 9 trilhão
Dívida de Lares e Empresas: R$ 1,5 trilhão
Dívida de Estado e Municípios R$ 0,95 trilhão
Total: R$ 4,35 trilhões
4- Vamos supor agora que o estoque destas dívidas pague apenas 10% de juros ao ano (na realidade é mais do que isso, já que a grande parte do passivo é junto a credores internos, não podendo assim gozar das taxas mais baixas ora em vigor no mercado mundial). Isso implica que o conjunto de indivíduos e instituições público e privadas no Brasil pagam cerca de R$ 400 bilhões de juros ao ano. Logo, R$ 2 trilhões a cada 5 anos.
Resta saber como controlar os níveis de real necessidade de dívidas e juros na economia brasileira.

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José Aparecido Miguel, sócio da Mais Comunicação, www.maiscom.com, é jornalista, editor e consultor em comunicação.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

"Pagando dívida, enxugando gelo"

José  Aparecido Miguel


Ou ando distraído ou o tema dívida externa e juros recebe pouca cobertura explicativa de todas as mídias. Ao tratar da redução da taxa Selic de juros, em 0,5 ponto percentual, para 12% ao ano, o jornalista Guilherme Barros, do iG, traz à tona a importância do assunto. Na coluna dele, na internet, dia 1°, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, defendeu a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de reduzir a taxa Selic  para 12% ao ano.
Aubert diz, em resumo, que as críticas de que a autoridade monetária cedeu a pressões do governo para cortar os juros partem de um “grupo de financistas”. “Nos oito anos do governo FHC e nos oito anos de Lula, quem comandou o Banco Central foram pessoas ligadas ao sistema financeiro. O Brasil é o único país do mundo que coloca a raposa para cuidar das ovelhas”. O presidente da Abimaq disse mais: o corte de 1 ponto percentual na Selic representa uma economia de R$ 16 bilhões com juros.
“Nos últimos 16 anos, o Brasil pagou mais de R$ 2 trilhões em juros de dívida. É a maior transferência de renda da história do capitalismo”. Para Aubert, sem um aperto monetário, a crise internacional poderá trazer impactos à economia brasileira. “A decisão do Copom foi uma sinalização de que nem tudo está perdido”, completou.
O DESTINO DO ORÇAMENTO DA UNIÃO
O braço brasileiro do Comitê para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), organização internacional, fundada na Bélgica, em 1990, tem um artigo instigante sobre dívida pública, com foco raro na mídia convencional do país. No caso do Brasil, o texto de Damien Millet, Daniel Munevar e Eric Toussaint, co-autores do livro La Dette ou La Vie (A Dívida ou a Vida), com o apoio da Auditoria Cidadã, informa: quase a metade do orçamento federal é destinada ao pagamento da dívida, enquanto áreas sociais fundamentais recebem fatias consideradas ínfimas.
O orçamento geral da União, de 2010, teve um total de 1 trilhão, 414 bilhões de reais. De tudo isso, os juros, amortizações e refinanciamento da dívida consomem 44,93% ou R$ 635 bilhões, valor que não inclui o “refinanciamento” ou “rolagem”, ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos públicos. Do orçamento da União, o Saneamento fica com 0,04%, a Educação com 2,89%, a Ciência e Tecnologia, 0,38%, a Energia, 0,04%. Já o Poder Judiciário fica com 1,48%, Legislativo com 0,37%, a Segurança Pública, com 0,56%, a transferência para Estados e Municípios, com 9,24%.
São alguns exemplos retirados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAF), disponíveis na internet.
Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã, graduada em Administração e Ciências Contábeis e auditora Fiscal da Receita Federal desde 1982, fez palestra sobre o tema dia 16 de setembro, em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Segundo ela, em artigo, não é de hoje que estudos, auditorias e investigações realizadas denunciam que ao invés de aportar recursos ao Estado, a dívida pública vem desviando recursos (que deveriam se destinar a áreas sociais) para o pagamento de juros e amortizações de uma dívida cuja contrapartida não se conhece, pois não existe a devida transparência.
Fattorelli critica o exacerbado poder do “mercado” e da grande mídia, segundo ela, “com incrível massa retórica enganosa e de desinformação”, numa conjuntura de crise financeira mundial.
Algumas opiniões dela:
Causas:
- Desregulamentação do mercado financeiro
- Derivativos sem lastro
Efeitos:
- Grandes bancos internacionais em risco de quebra
- EUA e Europa se endividam para salvar setor bancário
- Expansão da crise para outros setores
CRISE DA DÍVIDA
A coordenadora da Auditoria Cidadã destaca medidas de austeridade para destinar recursos ao pagamento da dívida:
- Corte de gastos sociais
- Congelamento e redução dos salários
- Demissões
- Reformas da Previdência
- Comprometimento dos Fundos de Pensão
O governo não admite crise da dívida, mas qual a razão para:
- Privilégio na destinação recursos para a dívida
- Juros mais elevados do mundo
- Carga tributária elevada e regressiva
- Ausência de retorno em bens e serviços públicos
- Contingenciamento de gastos sociais
- Congelamento salários setor público
- Prioridade para Metas de “Superávit Primário” e “Inflação”
- Reformas neoliberais: Previdência, Privatizações
- Ausência de controle de capitais
Segundo Maria Lúcia Fatorelli, a dependência econômica gerada pelo processo de endividamento é o nó que amarra o Brasil, gerando um paradoxo: 7ª economia mundial, 10ª pior distribuição de renda do mundo e 73º no ranking de respeito aos Direitos Humanos.
O corte de 11% dos Recursos destinados à Educação é um exemplo citado. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, do governo), cada R$ 1,00 investido em educação gera R$ 1,85 de impacto no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. “Isso significa uma taxa de retorno de quase o dobro!”.
O verdadeiro rombo das contas públicas é a dívida pública, afirma a coordenadora da Auditoria Cidadã, que assessorou, em 2007, comissão do Equador, com proposta de reconhecimento de no máximo 30% da dívida externa, o que significou anulação de 70% dela com os bancos privados internacionais. Consegue-se, assim, uma economia de US$ 7,7 bilhões nos próximos 20 anos.
Valores dos juros e amortizações pagos nos últimos 16 anos: Fernando Henrique Cardoso em oito anos: R$ 2,079 trilhões; Luís Inácio Lula da Silva em 8 anos: R$ 4,763 Trilhões
O que seria possível fazer com o dinheiro que vai para a dívida pública (concentrada em “poucos banqueiros, rentistas e empresários”, na avaliação de Maria Lúcia Fatorelli)?
Exemplos
- 20 milhões de casas populares (de R$ 30 mil cada uma)
- Pagar, por um ano inteiro, uma passagem de ônibus ida e volta por dia (R$ 6)  para 290 milhões de pessoas
- Contratar, por um ano, 2 milhões e meio de médicos com salário de R$ 10 mil por mês cada um
- Aumentar o salário mínimo de R$ 545 para R$ 2.660
A coordenadora da Auditoria Cidadã afirma que a dívida pública, de R$ 645 bilhões em 2010, é o centro dos problemas nacionais, e deveria ser auditada, conforme manda a Constituição de 1988, descumprida há mais de 20 anos.
DESIGUALDADE
A Auditoria Cidadã divulga que, no Brasil, enquanto os 10% mais pobres detêm apenas 1% da renda nacional, o 1% mais rico possui 12,5%. “Este é um reflexo do endividamento público, que retira recursos dos mais pobres – que pagam impostos – e destina para os banqueiros e outras pessoas muito ricas. Enquanto os trabalhadores pagam, em média, 24% de imposto de renda, os banqueiros e grandes empresários pagam apenas 14%, aprofundando a concentração de renda no país. Ao mesmo tempo, a distribuição de lucros das empresas e bancos a seus proprietários é isenta deste imposto. Os investidores estrangeiros também não pagam imposto de renda quando recebem juros da dívida pública”.
Fontes:
PUBLICADO SIMULTANEAMENTE EM
José Aparecido Miguel, sócio da Mais Comunicação, www.maiscom.com, é jornalista, editor e consultor em comunicação.
E-mail: jmigueljb@gmail.com