sábado, 13 de abril de 2013

O futuro da meninada do Brasil


No artigo “A formação de um povo” (Veja10/4/2013, data de capa), a escritora Lya Luft lamenta que, agora, no Brasil, (…) “a meninada só precisa se alfabetizar no fim do 3º ano.

Pergunto: o que estarão fazendo nos primeiros dois anos de escola? Brincando? Gazeteando? A escola vai fingir que está ensinando, preparando para a vida e a profissão? E os pais, que se interessam, o que podem esperar de tal ensino? Aos 8 anos, meninos e meninas já deveriam estar escrevendo e lendo bastante (…). Com que idade estarão prontos para um mercado de trabalho cada vez mais exigente?”.
Paralelamente, uma boa notícia, se for concretizada na prática. “Escola será obrigatória a partir dos 4 anos”, segundo O Globo (6/4/2013).
A mudança, sancionada pela presidente Dilma Rosseff, começa a valer a partir de 2016. “Pais não poderão mais deixar filhos fora da escola dos 4 aos 17 anos. Hoje, essa obrigatoriedade vale apenas para crianças entre 6 e 14. Sistemas terão que ofertar e garantir vagas para todos. (…) Passará a ser um dever dos pais — e não mais uma escolha — matricular seus filhos na escola”.
PETIÇÃO DE MISÉRIA
Mas, fato grave, é que “saiu mais um estudo mostrando que o ensino de matemática no Brasil anda em petição de miséria”, escreve o colunista daFolha de S. Paulo, Hélio Schwartsman (6/4/2013).
“Joyce e Mozart são ótimos, mas eles, como quase toda a cultura humanística, têm pouca relevância para nossa vida prática. Já a cultura científica, que muitos ainda tratam com uma ponta de desprezo, torna-se cada vez mais fundamental, mesmo para quem não pretende ser engenheiro ou seguir carreiras técnicas”.
“Como sobreviver à era do crédito farto sem saber calcular as armadilhas que uma taxa de juros pode esconder? Hoje, é difícil até posicionar-se de forma racional sobre políticas públicas sem assimilar toda a numeralha que idealmente as informa. Conhecimentos rudimentares de estatística são pré-requisito para compreender as novas pesquisas que trazem informações relevantes para nossa saúde e bem-estar”.
SEM DISCRIMINAÇÃO
Em “Sequestro de oportunidades”, Ronaldo de Breyne Salvagni, tratando de contas no sistema de ensino, escreve no mesmo jornal (7/4/2013) que “a grande injustiça é ver a quantidade de pessoas, especialmente os jovens inteligentes e esforçados, sendo impedidas de se desenvolver”.
“Não é dada a elas a oportunidade de aprender e crescer, por causa de uma educação pública básica e média medíocres. Esse é o problema real”.
“Além de cotas no vestibular, em breve teremos propostas de cotas de formatura, para compensar injustiças e discriminações ocorridas ao longo do curso. Em seguida, cotas para times de futebol, cotas para funcionários das empresas, cotas para sócios de clubes, cotas em academias de ginástica, cotas para fiéis de cada religião e culto e por aí vai”.
Salvagni, em outro trecho, considera que o contrário do racismo e da discriminação social não é uma “discriminação positiva”, mas sim a ausência dessas classificações. “Qualquer solução que envolva critérios de raça ou pobreza não contribui para eliminar a discriminação. Pelo contrário, reafirma, reforça e pereniza esses conceitos básicos dos mecanismos de exclusão”.
No ano passado, recorda o site www.todospelaeducação.org.br, o Brasil ganhou a chamada Lei de Cotas, que reserva 50% das vagas das universidades federais para estudantes que cursaram o Ensino Médio na rede pública.
“Metade dessas vagas considera apenas critérios raciais e a outra metade analisa ainda a renda familiar do candidato. A raça é autodeclaratória”.
Mariana Mandelli reporta (6/3/2013) que a porcentagem de alunos negros com mais de dois anos de atraso escolar chega a 14% no Brasil. Entre alunos brancos, a taxa cai pela metade: 7%. Além disso, apenas metade dos estudantes negros, ao atingir o 6º ano do Ensino Fundamental, tem a idade correta para o ano em que estuda. Os números estão na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011.
“Dados como esses mostram que o fracasso escolar – entendido como baixo rendimento, repetência, abandono e evasão – atinge de formas diferentes estudantes que fazem parte de grupos distintos, quando observados aspectos étnico-raciais. Esse é o tema do artigo “Fracasso escolar e desigualdade no Ensino Fundamental”, da pesquisadora Paula Louzano, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)”.
No geral, divulga o site, dados mostram que apenas 10% dos alunos que concluem a Educação Básica têm aprendizado adequado em matemática.
“Os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio apresentam hoje os dados mais preocupantes de desempenho do País. O Brasil tem hoje, na segunda etapa do Ensino Fundamental, apenas 27% dos alunos com aprendizado adequado em língua portuguesa e 16,9% em matemática (leia abaixo o que o movimento considera como aprendizado adequado*). Apesar de terem crescido de 2009 para 2011, as duas taxas estão abaixo das metas traçadas pelo Todos Pela Educação, que eram de 32% para língua portuguesa e de 25,4% para matemática. As metas definidas pelo Todos Pela Educação são parciais e crescem ano a ano, até o patamar de 70% em 2022”.
A FORÇA DA TECNOLOGIA
Vem dos Estados Unidos a afirmação de que “é possível educar todas as crianças da escola pública em alto nível”, segundo entrevista recente de Diane Tavenner, diretora executiva e cofundadora da rede de instituições Summit. Desde 2003, quando a primeira unidade foi criada, 96% de todos os seus estudantes foram selecionados para cursar pelo menos uma graduação, reporta o portal iG.
“O mais importante é que nós preparamos todos os nossos alunos para a faculdade e carreira. Isso não é algo que todas as escolas fazem nos Estados Unidos e, possivelmente, aqui também não. Nós acreditamos nisso e levamos a sério esse objetivo. Para isso acontecer, desenvolvemos uma série de ações, mas essa é a nossa missão. E nós já provamos que é possível educar todas as crianças de escola pública em alto nível. Isso é importante, porque muitas pessoas antes pensavam que fosse impossível. E nós, junto com outros educadores nos Estados Unidos, provamos o contrário”.
“Nós começamos criando um plano de estudo personalizado para cada estudante, de modo que ele define logo que chega à escola um objetivo para sua carreira, que universidade quer fazer, que vida quer ter. A partir disso, nós desenvolvemos um plano personalizado para que ele alcance o objetivo. Depois trabalhamos para que a escola forneça todo o suporte necessário para manter o estudante nesse caminho. Esse é o ponto de partida”.
“Nós trazemos tecnologia para a escola, as crianças trabalham colaborativamente em projetos nos quais têm que resolver problemas reais, não é nada chato. Dessa forma, as crianças ficam motivadas porque se dão conta de que estão aprendendo coisas que vão ser úteis para ela. Por último, durante dois meses do ano letivo, em janeiro e junho, os estudantes ficam fora da escola e trabalham na comunidade, fazem estágios, têm experiências relacionadas a seus interesses ou paixões, que podem ser fotografia ou jornalismo, por exemplo”.
“Nós usamos muita tecnologia. Por exemplo, a tecnologia serve para saber exatamente o que cada aluno sabe e não sabe em todos os momentos. Cada estudante tem o seu mapa pessoal de conhecimento e objetivos. Em vez de promover aulas em que não importa quem sabe, mas que todos ouvem a mesma coisa e tem que participar das mesmas atividades, cada aluno vai aprender o que precisa aprender. Fazemos isso com uma ferramenta que chamamos de playlist – como a dos tocadores de música digital. Nessa lista está tudo o que o aluno precisa aprender e ele vai escolhendo como gostaria de fazer. Quando ele sente que já está pronto para seguir em frente, faz uma avaliação. Se ele realmente já aprendeu, ótimo, vai adiante”, explica Diane Tavenner, no iG.
DERAM CERTO
Neste cenário, marcado por contradições, a revista IstoÉ (10/4/2013) traz, em manchete de capa, que as cotas deram certo e revela histórias de sucesso de quem venceu o preconceito. “Uma década depois, a política de inclusão de negros nas universidades brasileiras apresenta resultados surpreendentes. Eles têm notas mais altas que a média; no vestibular, vão tão bem quanto os não cotistas; os índices de evasão são baixos; a maioria sai da faculdade empregada; eles ajudaram a melhorar a qualidade do ensino”.
O que se sabe também é sobre a vantagem de ficar mais um ano na escola, como reporta o jornal Estado de Minas (13/4/2013).
“Cerca de 300 mil estudantes que acabaram de chegar ao ensino médio são os primeiros do país que fizeram nove anos de fundamental, etapa em que entraram um ano mais cedo, aos 6. Em 2004, Minas Gerais inaugurou na educação brasileira esse sistema, que se tornou obrigatório em todo o território nacional em 2010. Os resultados já são visíveis. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Minas saltou de 4 para 6 na última avaliação do governo federal, alçando o estado à condição de melhor do país. A evolução no aprendizado poderá ser verificada mais detalhadamente quando sair o resultado de uma prova aplicada a esses alunos pioneiros na semana passada. Mas eles mesmos são quase unânimes em dizer que se sentem mais bem preparados para a sequência dos estudos”.
O atraso da educação brasileira vai além de todas as deficiências e eventuais avanços citados. O Globo (9/4/2013), por exemplo, aponta que metade do Brasil apura fraude na merenda escolar. “Ao menos 13 estados investigam desvio do dinheiro da merenda escolar. Em Roraima, a fraude prospera onde os alunos recebem comida estragada e atrasada”.
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José Aparecido Miguel, sócio da Mais Comunicação, www.maiscom.com, é jornalista, editor e consultor em comunicação.


Texto publicado originalmente em

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